Passariam mais de 400 anos até o poeta português Fernando Pessoa recordar o vice-rei da Índia na sua “Mensagem”, retratando-o como “um gigante [que passa] pela vasta terra, Seu duro passo faz tremer o solo. Seu pensamento todo o mundo encerra, Régio de força e desconsolo”. Pessoa retratava os feitos de Afonso de Albuquerque que, em 1511, atacou de surpresa a cidade de Malaca – na atual Malásia –, tornando-se célebre pela sua coragem, persistência e audácia. Nessa altura, o militar assegurou que Malaca – juntamente com o estreito com o mesmo nome – fizesse parte da expansão no Oriente e do amplo controlo do comércio de produtos asiáticos até ser conquistada pelos holandeses em 1641.
A meio caminho entre Kuala Lumpur e Singapura, a costeira Malaca foi habitada desde cedo por diversos povos, desde malaios, indianos, chineses, árabes, portugueses e outros europeus. Esta mistura veio a revelar uma profusão de conhecimentos, usos, costumes e narrativas que deram forma à cidade atual. Foi também esta mescla de culturas que tornou o mapa de Malaca distinto e único na geografia da região.
O recuperado centro histórico de uma das cidades mais antigas da Malásia foi classificado em 2008 como Património Mundial da UNESCO. Apesar do entusiasmo local, a atmosfera acaba por ser tranquila e as deslocações fazem-se sem pressa. Por entre as ruas, os riquexós coloridos exibem-se, mas é a arquitetura que ostenta orgulhosamente as marcas da história. Entre outras construções, há as casas com apenas um andar, viradas para o rio Malaca, e edifícios coloniais de cor avermelhada, como a antiga câmara municipal, provavelmente o mais antigo edifício holandês a Oriente, que hoje alberga o Museu de História e Etnografia.
Nos mesmos tons de vermelho, a elegante Praça Holandesa emerge como ponto central da zona classificada, rodeada por edifícios históricos e árvores frondosas. A cerca de 3 km a leste, junto ao mar, surge o largo “Medan Portugis” conhecido por Praça Portuguesa, um emblema cultural simbólico onde os descendentes de eurasiáticos se reúnem durante os feriados e festivais. No interior da praça há lojas de recordações, um pequeno museu e uma série de restaurantes e marisqueiras. Uma viagem no tempo que abre a porta da comunidade descendente de casamentos entre portugueses e malaios, e cujo ex-libris é o dialeto “cristang”, uma mistura entre o malaio e o português arcaico. Também de origem lusa, a imperdível Fortaleza de Malaca, conhecida por “A famosa”, foi parcialmente preservada, incluindo o portão, as muralhas e a torre de vigia recuperada mais recentemente.
A inclusão da cidade na lista da UNESCO foi o gatilho para o desenvolvimento turístico e para a preservação do património. Hoje o centro histórico está repleto de cafés, boutiques que escondem pequenos tesouros e restaurantes com a chancela de ótima relação qualidade-preço, frequentados pelos habitantes locais. As antigas casas comerciais e mansões foram transformadas em galerias, hotéis e mercados, como o vibrante “Jonker Walk” onde se brinda à música, à comida de rua e à partilha com os forasteiros.
Uma das zonas representativas do caldeirão cultural de Malaca é a “Chinatown” com as suas ruas estreitas enfeitadas com lanternas que serpenteiam fachadas coloridas, pátios interiores, templos e telhados curvos envolvidos em aromas de incenso. Na zona, estão o Templo Cheng Hoon Teng, o mais antigo da região, e o museu Baba Nyonya Heritage, dedicado à cultura Peranakan – os primeiros imigrantes chineses na Malásia –, instalado numa sumptuosa mansão de dois andares, construída em 1861 para a abastada família Chan e que ainda hoje é propriedade da sétima geração. Talvez uma das formas mais fáceis de percecionar a cidade é a subida à desafiante “Shore Sky Tower” com 43 andares e mais de 150 metros de altitude que proporciona uma panorâmica de 360 graus e vistas deslumbrantes até 50 quilómetros de alcance.
Ao largo de Malaca, desfilam, sossegadas, várias ilhas paradisíacas como Tanjung Kling, Tanjung Bidara ou Pulau Besar. A maioria das praias ao longo da costa dispõe de instalações bem conservadas, areia limpa e água de cor turquesa. Aqui e ali, alguns vendedores ambulantes servem especialidades locais enquanto o sol se despede cintilante.