Meteoropatia | Gonçalo Cadilhe | Postais de Viagem

Meteoropatia

Viajamos para ficar a conhecer as duas realidades mais importantes da nossa vida: o mundo que nos rodeia; e o mundo que trazemos dentro de nós.

O primeiro está mapeado e descrito, é palmilhado diariamente por milhões de outros turistas, consultamos os guias e o Google que nos dão as dicas todas, portanto, na realidade vamos apenas confirmar a localização de lugares naturais e elaborações humanas de que já sabíamos a existência. Pelo contrário, no segundo caso a aventura é total. Quem sabe o que descobriremos na essência, que territórios da alma serão revelados, que novo “eu” subirá à superfície quando nos pomos a viajar, a conhecer realidades novas, hábitos diferentes, situações imprevisíveis?

Crescemos rodeados de certezas, dogmas, afirmações peremptórias, referências imutáveis. Quando começamos a viajar, tudo isto é posto em causa. A comida portuguesa afinal é a melhor do mundo, mas só para os Portugueses. O ano tem quatro estações, excepto nos lugares onde não as tem. A religião católica é a verdadeira para um católico e a falsa para um muçulmano, mas os budistas nem sabem que existem religiões verdadeiras e outras falsas. Saudade só se diz em português, mas se um esquimó não sente saudade para que necessita de uma palavra para a descrever? E para que precisa um português de cinquenta e tal palavras para descrever cinquenta e tal tipos de neve, se a neve não aparece em Portugal?

Viajar muda a nossa forma de entender quem somos. Muitas vezes deparamos com conceitos que de repente fazem luz sobre algum problema, mania, intolerância, maleita que nem sabíamos padecer, e afinal em outras partes do mundo são corriqueiras. Por exemplo, meteoropatia.

Tanto quanto sei, a palavra “meteoropatia” não existe na língua portuguesa. No italiano, em particular na boca dos italianos que vivem na Ligúria, é recorrente. Meteoropatia refere-se a um conjunto de distúrbios psíquicos e físicos provocados por alterações das condições meteorológicas. No meu caso, a baixa da pressão atmosférica mexe-me com o humor, rouba-me a energia, diminui-me a lucidez e deixa-me deprimido. Em Portugal, as perturbações que trazem a chuva têm uma frente larga, anunciam-se gradualmente e são regulares mas espaçadas durante o Inverno; na Índia, acontecem uma vez por ano e representam a renovação e a fertilidade. Em qualquer um destes países, seria difícil associar a chegada de uma frente fria a uma mudança súbita de astral. Seria difícil alguém descobrir-se meteoropático.

Mas na Ligúria, pequena região italiana apertada entre as altas montanhas dos Apeninos e o mar, aprendemos o quanto podemos ser meteoropáticos. Tudo o que mexe nos céus do Mediterrâneo parece afunilar e concentrar-se ali, provocando mudanças bruscas e inesperadas de pressão e de tempo. Os ventos sobem do Sahara ou descem dos Alpes ou avançam desde o golfo de Lyon; a humidade abate-se como um manto de neblina; as nuvens parecem imãs atraídos para uma porta de frigorífico. O clima é a sucessão imprevisível e radical de todos os climas da Europa e de África. Foi na Ligúria que descobri essa parcela da minha essência até ali ignorada: tudo o que sou que não me agrada provém da influência do clima.

Créditos Imagem: Gonçalo Cadilhe (Clique para aumentar)

A Ligúria é um destino turístico de excelência: as Cinque Terre, a Riviera, Portofino ou o centro histórico de Génova, por exemplo. A gastronomia e os vinhos. A História e as paisagens. Convido-vos a irem lá, confirmar o quanto são maravilhosos estes lugares de que já sabíamos a existência. Mas sobretudo, aproveitem a viagem para explorar esse território obscuro que existe dentro de vós. Para isso se viaja. E se nas vossas andanças souberem de algum comprimido contra a meteoropatia que eu não descobri, avisem-me.

Texto de Gonçalo Cadilhe –

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